Na tranquilidade da manhã de
quarta peguei meus pinceis, um tom só de tinta e fui pintar desta vez não será
um novo quadro, mas uma reorganização de cor e formas. E no silêncio do lugar
pintando letra a letra do epitáfio escrito para meu pai, aprecio alguns
momentos de ausência de som, o vento fresco de um dia quente. A cada traço
refeito fico de corpo e alma ali, me concentro. Ouço ao longe os barulhos do
lugar, pessoas conversando ao visitar as campas de entes queridos,
trabalhadores que martelam, mexem em tijolos e massa ao construir novas residências
para o corpo.
Esta
manhã passa lenta e vagarosamente vou produzindo o meu trabalho de refazer palavras
letra a letra e perco a noção, quando estamos com este tempo e mente livre...
É permitido não pensar...
Pois ali é tão obvio o que
realmente somos e
e a importância do que levamos,
as relações, as afeições, as vivências, o que não pesa, o que não se economiza,
o que não se guarda, mas que se divide que se multiplica e o que se doa. Que
quando se vai sente-se. Mas todo mundo
diz era gente boa!
Do mundo pouco se sabe realmente, tudo
é relativo, embora achemos saber tudo, do humano menos ainda conhecemos, porém
sentenciamos a todos. Não me iludo com o saber, creio ele servir para eu melhor ver e perceber, quando conhecemos determinado assunto ou teoria as chances de errar são
menores, embora as vezes por teimosia e pouca humildade nos equivocamos barbaramente sempre com a tendência ao não acertar, as emoções geralmente chegam
antes da razão. E como toda a boa receita as medidas deveriam ser exatas de
emoção e razão. Sabemos, não são!
Aqui eu o céu, a paz, tantas
importâncias perdem a relevância e me encho dessa enigmática leveza, quero
esquecer todas as asperezas, do ouvir, do falar e do pensar. Chego nesta fase da
vida querendo me perder nas voltas que me interessam as que servem para
constar, sem nenhuma pressa, devagar, vou me afastando e assim com este
sentimento de equilíbrio que custei a descobrir e desenvolver voltando a me
encontrar. Um dia certamente estarei em outro lugar, mas só levo o que posso
carregar...
Memórias, muitas memórias e bons
sentimentos.
Acabo meu trabalho, verifico o
resultado, consulto o relógio, me assusto com o adiantado da hora e o ardido
nas costas que o sol incidente provocou e eu nem senti. Abro minha garrafa de água que horas antes
estava gelada e bebo morna mesmo, passaram-se três horas e meia. Faço uma oração,
beijo a foto do meu pai. Hora de ir para casa minha mãe me espera para almoçar.
Karem Medeiros
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