terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Esse cheiro é café???

                             Nas últimas 24 horas eu entro e saio do prédio e observo uma cena que poderia ser comum, mas não é.  Todos buscam o sucesso, conquistas e ao final de todos os dias querem felicidade, como uma tocha erguida em um pódio fajuto, esperava que nas próximas horas mudasse a alternância dos fatos. Já noite e em casa, mais especificamente nessa última hora em que parei e começo realmente a enxergar através da minha janela. Não consigo definir se jovem ou madura, mas tem uma mulher a mais horas do que eu gostaria na rua, no chão... Não consigo relaxar mesmo cansada, não fico confortável ao saber que ela está lá... Paralisei... Por um momento, sou tristeza... Por ela, por mim...
Nada conheço sobre sua jornada e não conhecerei, se não fosse ofensivo a abraçaria (sim, ofensivo... ela está quieta, onde pode ou quer estar... não sei...). Entendo que são centenas nessa ou em condições semelhantes pelo país e pelo mundo... Lamento, não poder alterar a situação, impedir o desconforto ou sofrimento... Não julgo, mas me sinto fragmentada, esvaziada... Impossível simplesmente fazer o jantar, ou ler um livro...
                          Vou fazer algo ao meu alcance, sim, assim de relance! Eu sendo eu... Visto meus chinelos, arrumo um sanduiche, bolo, fruta, café e água com esmero e carinho como se fosse para mim.  Pego a chave desço e vou ao encontro da desconhecida. Posso não ser bem vinda... Veremos! 
Moça, moça...Insisto, ela está enrolada em suas cobertas!
Te trouxe um lanchinho...
Ela se destapa e me abre um sorriso lindo, mesmo com ausência de dentes e com um grande curativo menos limpo do que deveria tapando o olho direito.
Esse cheiro é café??? (Ela pergunta).
Sim!
Que delícia! Obrigado! (Dentro de suas necessidades ela primeiro sorriu e ainda foi educada...).
Boa noite!
                         Depois de me despedir dos nosso encontro de dois, três minutos no máximo, volto não mais feliz, mas certa de que por alguns momentos ela se sentirá viva, humana e a fúria e os golpes do dia, das últimas horas, anos, serão aplacadas por instantes...
Amanhã se ela ainda estiver lá, talvez tenhamos uma conversa com um diálogo mais pessoal. Quem sabe eu pergunte seu nome... Por hoje quero que ela fique a salvo, que o café que a fez sorrir lhe traga um afago e que o céu que é seu telhado seja uma explosão de luz e belas estrelas...

Karem Medeiros