sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Manhã de quarta










    Na tranquilidade da manhã de quarta peguei meus pinceis, um tom só de tinta e fui pintar desta vez não será um novo quadro, mas uma reorganização de cor e formas. E no silêncio do lugar pintando letra a letra do epitáfio escrito para meu pai, aprecio alguns momentos de ausência de som, o vento fresco de um dia quente. A cada traço refeito fico de corpo e alma ali, me concentro. Ouço ao longe os barulhos do lugar, pessoas conversando ao visitar as campas de entes queridos, trabalhadores que martelam, mexem em tijolos e massa ao construir novas residências para o corpo.
   Esta manhã passa lenta e vagarosamente vou produzindo o meu trabalho de refazer palavras letra a letra e perco a noção, quando estamos com este tempo e mente livre...  
É permitido não pensar...                                                   
              Pois ali é tão obvio o que realmente somos e

        e a importância do que levamos, as relações, as afeições, as vivências, o que não pesa, o que não se economiza, o que não se guarda, mas que se divide que se multiplica e o que se doa. Que quando se vai sente-se.  Mas todo mundo diz era gente boa!   
       Do mundo pouco se sabe realmente, tudo é relativo, embora achemos saber tudo, do humano menos ainda conhecemos, porém sentenciamos a todos. Não me iludo com o saber, creio ele servir para eu melhor ver e perceber, quando conhecemos determinado assunto ou teoria as chances de errar são menores, embora as vezes por teimosia e pouca humildade nos equivocamos barbaramente sempre com a tendência ao não acertar, as emoções geralmente chegam antes da razão. E como toda a boa receita as medidas deveriam ser exatas de emoção e razão. Sabemos, não são!
          Aqui eu o céu, a paz, tantas importâncias perdem a relevância e me encho dessa enigmática leveza, quero esquecer todas as asperezas, do ouvir, do falar e do pensar. Chego nesta fase da vida querendo me perder nas voltas que me interessam as que servem para constar, sem nenhuma pressa, devagar, vou me afastando e assim com este sentimento de equilíbrio que custei a descobrir e desenvolver voltando a me encontrar. Um dia certamente estarei em outro lugar, mas só levo o que posso carregar...  
             Memórias, muitas memórias e bons sentimentos.
          Acabo meu trabalho, verifico o resultado, consulto o relógio, me assusto com o adiantado da hora e o ardido nas costas que o sol incidente provocou e eu nem senti.  Abro minha garrafa de água que horas antes estava gelada e bebo morna mesmo, passaram-se três horas e meia. Faço uma oração, beijo a foto do meu pai. Hora de ir para casa minha mãe me espera para almoçar.
                                                                              Karem Medeiros